Têm-se ocupado os jornais - ah! Mas só antes da nova legislação laboral e do caso de Jardel - do ‘direito à indignação’ de alguns comunistas. Então, antes disto, os militantes não se podiam ‘indignar’. E quem os impedia não eram os que agora se indignam?
Claro que estas questões são menores.
A questão maior é esta, e muito simples:
Quem precisa dos comunistas no século XXI?
Comecemos por ver o que queriam os comunistas em 1848:
- Ditadura do proletariado, apropriação dos meios de produção, abaixo a reacção, da classe trabalhadora, etc., etc., etc..
Contrariamente ao que uns ‘anjinhos’ fizeram crer, não se propõe a divisão dos bens pela comunidade, como o cristianismo propõe (sem muito sucesso nisto aliás).
O comunismo trava uma luta de classes e eleva à categoria de superestrutura uma classe de trabalhadores germinada na Sociedade Industrial, mas não a única, nem mesmo a mais desfavorecida ou carenciada. O operário é integrado nas vias da produção em massa (a indústria é isso) em condições nem sempre as mais favoráveis, com habitação em gaiolas urbanas, com salário baixo, etc.. Certo. A alternativa era fixação á terra, com a ‘vegetalização’ humana, até, o ‘apodrecimento’ que isso comportava – e comporta ainda hoje, apesar das conquitas científicas, sociológicas e metereológicas entretanto vencidas.
Posto o operário no cerne e no cume da dura dialéctica social, ombreando com o patronato através da chantagem do género ‘a luta contínua’, fica no fundo da pirâmide o camponês, abandonado à sua sorte, como tradicionalmente.
Os controleiros (a instituição mais abjecta e hitleriana que o comunismo inventou) vigiam. Os sovietes (representantes) comandam.
Depressa brota uma classe de operários (os únicos com estatuto pleno de ‘trabalhadores’) que se senta nos couros das cadeiras de decisão, nos escritórios e nos concílios. Tornam-se, logicamente, os mais odiosos seres do sistema.
O logotipo legítimo do comunismo soviético seria um martelo, não a foice, símbolo da rotundamente falhada ‘grande aliança’ com os camponeses. Estes não tinham nada a ver com aquela ‘dialéctica’ de palavreado postiço, intelectualóide e medonho nos efeitos.
Os camponeses rejeitaram ‘in limine’ que os novos senhores (os sovietes armados, programados, pagos e controlados, pelo partido) viessem ‘mexer’ nas suas colheitas, no seu trigo.
Obrigados a semear de dia, pela força, incendiavam as searas à noite.
Estaline matou 40 milhões desses ‘reaccionários’ desobedientes.
Só mais tarde, na China, foi equacionado o problema pelo Maoísmo. Os camponeses sentaram à mesa das teorizações da máquina dirigente; isso destingiu o maoísmo dos marxistas-leninistas.
Ainda hoje ressoam as palavras de ordem do MRPP na Faculdade de Direito de Lisboa (que frequentei, já profissionalizado, entre 1972 e 1976) cujas belas pinturas murais pintavam em cima de Cunhal ‘Barreirinhas’, nome mais pitoresco do que o outro (‘social-fascista’, nem mais).
O social-fascismo estalinista é exactamente o paralelo cunhalista da ditadura.
Ora o MRPP, já em 1974, ultrapassara o marxismo-leninismo-estalinismo, que vigorava no PCP.
E ainda vigora. Mas já lá vamos.
Há no comunismo, camaradas de vária espécie. Entre nós, Álvaro Cunhal é o camarada que surgiu como anti-corpo da autoridade e da disciplina salazarista. Mas Cunhal é tal e qual um salazar, só que sem a categoria intelectual, administrativa e moral do Professor de Coimbra, que foi autenticamente ‘mobilizado’ para acabar com a política reles e assassina de Lisboa (os tais ‘mouros’, já anteriormente ‘civilizados’ por D. Afonso Henriques). Salazar acabou coma ‘bagunçada’ (este termo é perfeito).
Cunhal veio para fazer o PREC. E partiram-se na prática os ‘pés de barro’ do ídolo mitificado pelo pendor sebastianista da mística popular alentejana.
O valor de Álvaro Cunhal está – ninguém o põe em causa e todos respeitamos – na sua enorme coerência. E persistência. E resistência. E insistência. E existência. E repetência… - aquilo que se denomina, com toda a propriedade, a ‘cassete’.
Como Salazar, Cunhal conservou o poder durante tempo excessivo, ainda mais do que os ‘cassetados’ ‘40 anos de fascismo’.
E errou por ainda mais tempo do que o adversário, precisamente por não ter beneficiado de uma poltrona providencialmente redutora.
Carvalhas (e todos os comunistas, indignados ou não) não consegue ter uma visão diacrónica elucidativa do arcaísmo das ideias comunistas. Que até para comunistas estão atrasadas, pois foram ultrapassadas pelo Maoismo e, este, por outras sequelas que constituem o fermento da dialéctica que comanda a actividade do fluxo e refluxo da Humanidade.
É sério o problema, embora se possa ‘contar’ de uma maneira pedagogicamente afável.
Os nossos comunistas já não sabem – se são inteligentes e cumulativamente honestos, o que suscita dúvidas – não sabem (dizia) andar a insistir, a enganar o povo. O analfabetismo já não é o que era no século passado.
Querem convencer o eleitor de que é possível o mito da distribuição igualitária dos recursos do trabalho? Mas quem trabalha para produzir?
É precisamente por isso que enorme massa dos ‘crentes’ comunistas é formada por mandriões, cujo estatuto social (e, até, académico) lhes foi outorgado pelo Partido, a quem obedecem cegamente, por não terem hipótese de alternativa.
De facto, quem são as principais luminárias do PCP? Salvo as devidas e honrosas excepções, trata-se de gente até de origem burgues, capaz de obedecer cegamente a ordens de secretismo, portanto, incapazes de pensar pela sua própria cabeça.
Formaram-se ‘com o Avante’ debaixo do braço…
Como querem estes homens – dissidentes ou ortodoxos – ser tomados como indignados a sério?
Refirmando-se comunistas, nem sequer se atrevem a contestar que, por exemplo, sempre aceitaram ser vigiados pela sua própria pide automática, formada pelos camaradas controleiros!
Estes intelectuais ‘indignados’ não evitam o apodrecimento da ideologia que deu origem à ‘indignação’ marxista, a da raiz e do tronco. É preciso haver uma poda: mas que não poupe o próprio tronco,
Foi um electricista polaco que efetuou o ‘milagre’ da queda do comunismo e, logo, depois, da reconversão da Rússia,
Infelizmente, as raízes da pobreza, essas, ainda persistem, a gerar eternas ‘indignações’ – as doss milhões de seres, a quem (por culpa alheia), a miséria retira a dignidade de humanos.
Mas não são engravatados intelectuais, por mais indignados que estejam, que hão-de contribuir para efectuar a síntese dessa eterna dialéctica humana.
Estejam em que partido estiverem.
Julho 2002
Texto: Altino Moreira Cardoso (Professor; Escritor e Jornalista).
Imagem: Google
(re-editado do Jornal Amadora-Sintra)
Imagem reeditada em 04/04/2019
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Partidarite e fascismo em contraponto social.
Fantástico o tempo!. Em 2002, saíu este editorial no extinto Jornal Amadora-Sintra, e não é que a coisa por cá está mais ou menos na mesma. Apenas mudam as moscas porque a merda é a mesma. Pois é!
Ganda Text!...