As noites nas discotecas na febre da noite são uma moderna reposição da velha frase de Veiga Simão, quando afirmava que quem criticava o preço das cantinas universitárias eram os mesmos que, ao volante do seu carro, iam comer aos bons restaurantes. O estatuto político do estudante/volante actual permite-lhe dinheiro a tempo para tudo, menos para estudar.
Este preâmbulo quer dizer que a actual moda estudantil contestatária das miseráveis propinas que o Governo acaba de decretar, opta pela defesa da herança (pesada?) salazarista dos 1200$00 anuais.
Naquele tempo (anos 60 – o nosso e de muitos ex-revolucionários elementos do actual poder) custava uma refeição saudosa na cantina da AAC (Associação Académica de Coimbra) 9$00 e um jornal $80. Pagar 100$00 mensais de propinas exigia bastante sacrifício por parte dos pais de estudantes que não tivessem média suficiente para justificar isenção ou bolsa, já que um funcionário razoável não ganhava mais do que 1500$00/mês – talvez hoje equivalentes a 150 contos.
Nesta proporção, se aos 18 contos anuais de então pagavam 1200$00 de propinas, hoje aos 2100 contos (=1800 contos mais 300 de 14º mês) desse funcionário-padrão pagaria 140contos/ano. Tomando como comparação os antigos 9$00 e os actuais 600$00 das refeições, as propinas deveriam ser de 80 contos. Mas, se nos basearmos no preço dos jornais ($80) então as propinas seriam, agora, 210 contos /ano.
Mas nem os jornais nem, muito menos, as refeições das cantinas têm preços reais. Preços reais são os das universidades particulares: 600 contos/ano, ou 3 mil contos a licenciatura de 5 anos.
O problema que se põe não é de preços: estes podem ser manuseados com habilidades políticas. O nosso problema – um berbicacho em que o país e os jovens estão metidos – é bem outro: é o aproveitamento dos alunos, a chantagem da caça ao voto dos 18 anos e a competência dos licenciados pelas Universidades.
Caiu o Carmo e a Trindade quando o Bastonário dos Advogados discriminou as faculdades de Direito, atribuindo às pública (e baratas) o primado ou, até, a exclusividade da competência. Ora isso também é um falso problema: os professores, num e noutro lado, são os mesmos ‘turbo-professores’. Ensinam o mesmo a todos e ganham bom dinheiro aproveitando a maré de procura. E ninguém contesta a saída profissional de um Licenciado pela Universidade católica, que é particular.
O problema está na massa encefálica que lhes chega às mãos. Aqui é que os turbos não fazem milagres, por falta de tempo.
Donde vêm os cérebros que todos os anos invadem as universidades? Das escolas. Ora, para já e em relação às primárias, o ministro acabou de dizer na TV que a primária é só para aprender a estudar: ler, escrever e contar não são prioridades nas escolas básicas. Isto diz-nos que um aluno com 10anos não passa de um analfabeto ministerial. Como escreverá um bilhetinho no Dia da Mãe ou no de São Valentim? E quando irá aprender?
Assim, os prestigiados Liceus (pudicamente despromovidos a escolas secundárias) recebem ondas de milhares de analfabetos todos os anos. Mandar ensinar-lhes uma equação ou estrutura atómica é de tal modo irreal que os imbecilizados professores do secundário fazem do sucesso inefável tabu.
Quando, passado o 9º ano ou a escolaridade obrigatória, os alunos pensam em ingressar na universidade, os papás reparam que os seus futuros doutores e engenheiros não sabem nada de nada. Contam, então com o voto aos 18 anos: os políticos lá estão a zelar pelos números, a desclausurá-los.
É então que o voto garante a entrada no ensino dito superior de matemática, que forma professores da dita, alunos com zero (oficialmente 1,5) nessa disciplina, que nunca adquirirão qualquer competência na matéria pois nas universidades não há (não devia haver) b + a = bá. Mas, como os professores universitários também precisam de números positivos, para subirem de escalão e para o insucesso não ser de 100%, dão trabalhinhos para casas, outros de grupo, possibilitando o help on line de amigos ou explicadores… e assim se faz um licenciado, com licença… para matar de ridículo o país dos grilos. Também é uma falsa questão, a da confrontação entre universidades e politécnicos. Ninguém ensina/aprende nada: Muitos professores universitários já provieram das fornadas desses incompetentes da actual geração rasca e não têm qualquer pudor científico. Por exemplo, os mestrados (!) actuais têm menor nível que um 7º ano da outra geração. Filomena Mónica levantou uma lebre dessas nos médias.
Mas ela também não demonstrou ter capacidade pedagógica para equacionar e muito menos ajudar a resolver tal problema. Que se limite às suas investigações sociais: fala mal e escreve pior. Mas que a bagunça existe, existe. Se houvesse notas reais as universidades ficavam vazias. Era o desemprego dos turbos e acumuladores…
O mercado de trabalho sabe disto tudo. Pagar a quem nem sequer escreve sem erros, escandaliza quem tem de trabalhar para produzir iniciativa empregadora.
Se o assunto não é resolvido, com meia dúzia de bons professores a comandar um pelotão de limpeza dos técnicos betinhos do ME e das meninas disponíveis, todos em fuga às aulas, a Europa invadir-nos-á com a sua inteligência competente e, até, mão-de-obra especializada em escolas honestas e será como já acontece com as batatas: as melhores e mais baratas são as espanholas.
Março 1997
Texto: Altino Moreira Cardoso (Professor; Escritor e Jornalista).
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Puxar temas e assuntos tão velhos para quê? Estamos no euro não no escudo.