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UM CONTO INFANTIL

Pela sexta vez, hoje é dia do livro infantil. Contribuo, modestamente, com um conto. Divirtam-se sozinhos ou com os petizes.

Escrever histórias para crianças é tarefa difícil. Se nos tentarmos colocar no lugar deles, a coisa fica idiota, porque achamos sempre que eles sabem menos do que na verdade sabem e entendem menos do que na verdade entendem. O grande desafio é a simplicidade, que não é a mesma coisa de facilidade. Ser simples, é difícil.


Gato e rato, amigos para a vida

- “Pssst! Pssst! Ei, tu aí, gatinho malhado”.

O gato olhou para todos os lados para ver quem o chamava e não via nada. Era uma rua velha e cheia de buracos, onde quase não passava ninguém.

-“Estou aqui em baixo, ao pé do buraco. Isso!”.

- “Mas, tu és um rato… olha-me só o atrevimento! Que me queres rato atrevido?”

- “Queria-te só perguntar se podemos ser amigos?”

- “Deves estar a brincar. Amigos? Nós? Então não sabes que nos fizeram desde sempre inimigos? A mim cabe-me apanhar-te e dar aos meus donos como presente.”

- “Ora, tu não tens donos que eu bem te vejo aí aos caixotes do lixo”.

- “Não tenho, mas posso vir a ter e eles não iam gostar de saber que tenho um rato co-mo amigo”.

- “E quem foi que te disse que eles precisam de saber disso?”

- “Ah!… Pois… ninguém. Mas, é assim que funciona”.

- “Não é nada. Os gatos caçam para comer, mas tu nem isso sabes fazer ou achas que eu não te tenho visto para aí a rondar?”.

- “Posso-te caçar a ti”.

- “Não, não podes, eu sempre fui um rato de rua, conheço todas as manhas e esconderijos da cidade. Tu já tiveste donos, comida no prato a horas certas e colinho. Não fazes a mínima ideia de como é isso de caçar”.

- “Aprendo depressa. Está-me na natureza”.

- “Eu sei, mas isso não impede que sejamos amigos”.

- “Impede, sim senhor”.

O gato virou costas e, altivo, foi caminhando na rua. O rato virou-se e tirou um queijo de uma pequena caixa atrás de si. Acenou o pedaço de queijo por forma a que o seu cheiro chegasse ao nariz do felino. Este virou-se e o rato fingiu que o comia, deliciado.


- “Olha lá, isso é queijo?”. “Do melhor que há”.

- “Onde o arranjaste?”

- “Isso são informações que só se dão aos amigos e, que eu saiba, tu não o és”.

- “Mas, posso ser”.

- “Prova-o”.

- “Como? Tens alguma ideia?”.

- “Não”.

Ficaram os dois a pensar como é que se podia provar a amizade, até que o rato pegou no queijo e estendeu-o ao gato.

- “Toma lá. Eu tenho mais. Não precisamos de ser amigos. Tchau”.

O gato recebeu a prenda e devorou-a imediatamente. Tinha fome. Para um rato podia ser uma enorme quantidade de queijo mas não para um gato.

- “Espera, não te vás embora”.

- “Não tenho mais queijo, se é isso que queres”.

- “Não, não é isso. É que… vemo-nos outra vez por aí?”

O rato ficou a pensar. - ” Sim, vemo-nos por aí, claro”. E virou costas.

O gato ficou a vê-lo a afastar-se, com pena. Desde que fora abandonado pelos donos que o rato tinha sido o único dos habitantes da rua que queria ser seu amigo. Nem os gatos vadios toleravam a sua presença. E pensou que não se podiam desperdiçar assim os amigos. Eles já são tão poucos…

De repente, o rato passa a correr à sua frente e ouve-o gritar:

- “Foge amigo, foge, que estes gatos são selvagens e maus”.

Atrás dele vinham dois gatarrões enormes, com grandes cabeças, a toda a velocidade. O gato caseiro, ex-mimado pelos donos, habituado a sofás e não a lutar pela vida, postou-se à frente dos matulões e disse:

- “Alto aí! Onde é que pensam que vão?”.

Os dois gatos de rua pararam, mudos de espanto. Como é que aquele mariquinhas se atrevia a intrometer-se?

- “Ouve lá, ó marquês, o melhor é pores-te a milhas. Isto não é nada contigo”.

- “Ouçam lá, ó rafeiros, o melhor é deixarem o meu amigo em paz ou vão saber o que um marquês sabe fazer”. Inchou o peito e olhou-os nos olhos.

- “Tu não está bom da cabeça. Levas duas patadas e vais parar ao rio”.

- “Sai lá da frente”, disse o outro gato, grande e de pelo maltratado.

- “Vocês não sabem com quem é que se estão a meter. Fui posto na rua pelos meus donos porque dei cabo dos três cães de guarda que eles tinham. Não me dêem pretextos para vos magoar. Pirem-se”.


Os outros gatos hesitaram. Olharam de lado para o seu opositor e, por fim, disseram:

- “Bom, hoje fica assim. Nem me estava a apetecer rato para o almoço. Vamos”.

Viraram costas e foram-se embora. O rato aproximou-se logo.

- “É verdade que deste cabo de três cães?”.

- “Não. Teria sido um belo sarilho se eles não têm acreditado nisso”.

- “Eu conheço aqueles dois. São as feras cá da rua. São eles que mandam nos outros gatos e tu afugentaste-os”.

“Ora, não foi nada. Não é para isso que servem os amigos?”.

“É. Se aparecerem para aí umas ratazanas com más intenções, conta comigo”.

Riu-se e começou a andar ao lado do gato, ele grande, ele pequenino, lado a lado.

- “Vamos lá a esse queijinho, amigo”, disse o rato abanando a cauda ao mesmo ritmo da do gato.


Conto editado originalmente no XOK Magazine on line


Texto: Mário Rui de Melo (Responsável de Estratégias de Comunicação da Formiga Amarela; Escritor e Jornalista).

Imagens: Google.



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