Foi a 23 de Maio de 1179, que a Igreja Católica reconhece Portugal como reino independente, através de documento emitido pelo Papa Alexandre III, que oficializa a fundação de Portugal: não como território ou condado, mas como reino, como nação.
A bula Manifestis Probatum confirmou D. Afonso Henriques como rei de Portugal, uma nação independente de Reino de Leão, colocou o novo reino sob protecção directa papal e reconheceu a validade do Tratado de Zamora. Foi a primeira vez que a Santa Fé reconhecia o reino de Portugal, legitimando desta forma a sua instituição, e concedendo o título de rei a D. Afonso Henriques (nesta altura perto dos 70 anos de idade). A emissão desta bula foi também o culminar de esforços diplomáticos.
Concedemos e confirmamos por autoridade apostólica ao teu excelso domínio o reino de Portugal com inteiras honras de reino e a dignidade que aos reis pertence, bem como todos os lugares que com o auxílio da graça celeste conquistaste das mãos dos Sarracenos e nos quais não podem reivindicar direitos os vizinhos príncipes cristãos (excerto da bula, adaptada à linguagem actual). A bula, uma vitória diplomática para os portugueses e vista como uma consagração da própria existência da nação, foi um marco importante para o país. Porém, esta data não é consensual para todos os historiadores. Alguns apontam a Batalha de São Mamede ou a Batalha de Ourique como acontecimentos que, devido à sua importância geoestratégica e política, possibilitaram a formação do reino.
Desta forma, Portugal tornou-se num dos países mais antigos da Europa (não há confirmação histórica de que é o mais antigo do continente, embora se desconfie de tal) e um dos primeiros a definir as suas fronteiras definitivamente.
Qual era a importância da legitimação papal? O Papa Alexandre III é considerado um dos representantes da igreja mais cultos da Idade Média e exerceu bastante influência política e cultural incontestável na Europa – D. Afonso Henriques prestou-lhe vassalagem, o rei D. Luís de VII de França consultava-o frequentemente sobre assuntos de estado e o rei Henrique II de Inglaterra reconheceu que obteve o seu reino do poder papal (numa altura de arrependimento do rei pelo assassínio de Thomas Becket, arcebispo da Cantuária executado por seguidores do rei Henrique II depois de conflitos com o mesmo). Durante o seu pontificado, também conseguiu reverter a posição de enfraquecimento da Igreja durante o século XII – provocadas por querelas com o Sacro Império Romano-Germânico, principalmente –, devido à sua acção na política internacional e à convocação do 3.º Concílio de Latrão, onde a Santa Fé voltou a restituir a sua autoridade e afirmar-se novamente como "arbítrio" da Europa. O Papa tornou-se uma figura de importância primordial na Europa, já num contexto político em que a Igreja Católica era a instituição mais importante e culta na época, o principal agente de resolução de conflitos e a figura mais relevante da cristandade europeia. A suserania à Igreja e ao papa pelos estados da Europa era um costume adquirido e D. Afonso Henriques desempenhou esse papel, tornando-se tributário da Santa Fé e do Papa.
A relação entre o primeiro rei de Portugal e o Papa era bastante próxima e através do próprio teor da bula consegue-se depreender que D. Afonso Henriques foi destacado pelos seus serviços à Igreja e pela sua contribuição para a propagação da fé cristã, tomando-o como um exemplo para os vindouros e eleito pela "providência divina". Embora seja possível teorizar que Portugal já era um reino independente depois da assinatura do Tratado de Zamora, o reconhecimento da Igreja era a única forma de legitimação possível na época – e a única que importava.
O Tratado de Zamora não tornava Portugal independente? O Tratado de 1143, assinado pelo rei Afonso VII de Leão e Castela, reconheceu de facto a nação como reino independente e D. Afonso Henriques como seu legítimo rei, embora o tivesse feito por motivos de interesse próprio: o rei Afonso VII intitulava-se como imperador (um cargo não reconhecido pela igreja) e via a atribuição honrosa do título de rei a D. Afonso Henriques (seu primo directo) como uma forma de se elevar a si mesmo e de obter prestígio. D. Afonso Henriques, embora reconhecesse a importância prática do Tratado, sabia que este não serviria de muito sem o reconhecimento da autoridade papal. Este foi um dos motivos pelo qual o futuro rei decidiu prestar vassalagem à Santa Fé e encetou um plano diplomático a longo prazo para tornar Portugal um reino independente e soberano aos olhos dos outros reinos da Europa e, finalmente, aos olhos da Igreja Católica.
Desde o Tratado de Zamora até à emissão da bula passaram-se 36 longos anos, durante os quais o rei D. Afonso Henriques reuniu todos os seus esforços para tornar Portugal um reino autónomo e soberano. Este processo foi, contudo, lento devido à conjuntura política e religiosa da época. Por um lado, a independência de Portugal não era naturalmente do interesse do rei de Castela e Leão, uma situação que só mudou depois da morte do rei Afonso VII e a separação destes dois reinos em 1157. Por outro lado, tal como já foi mencionado, a autoridade da Igreja esteve enfraquecida durante o século XII e só reconquistou o seu estatuto com o Papa Alexandre III.
Que outros acontecimentos contribuíram para a independência de Portugal? A vontade pela independência enquanto reino transformou-se na principal luta de D. Afonso Henriques. Não foi um processo fácil nem curto, e houve vários momentos que contribuíram para a soberania do reino. A Batalha de São Mamede, travada entre D. Afonso Henriques com os barões portucalenses e forças da sua mãe, D. Teresa, defensores de uma união com o reino de Galiza e comandados pelo conde galego Peres de Trava. Após a morte de D. Henrique, pai de D. Afonso Henriques, D. Teresa assumiu as suas pretensões como figura governadora do Condado Portucalense. A discórdia com a sua própria mãe constituiu a primeira acção independentista de D. Afonso Henriques, e resultou neste confronto que o futuro rei venceu perto de Guimarães a 24 de Junho de 1128. Também a Batalha de Ourique foi mais um passo para a soberania da nação portuguesa.
Segundo a tradição histórica, a 25 de Julho de 1139, as tropas de D. Afonso Henriques venceram um exército muçulmano e conseguiram reunir um território suficientemente vasto para se formar um reino. A partir deste momento, a documentação régia começou a referir-se a de D. Afonso Henriques com o título de rei. Há muitas incertezas relativamente aos pormenores da batalha, mas a sua importância para a história portuguesa é evidente.
Texto: Carolina Rodrigues e Carlos Rodrigues Lima/Revista Sábado© (Adaptação) Fernando Skinrey©
Imagens: Google©; Wikipédia©; Portal da História© e Sapo©.
Imagens recondicionadas em 04/04/2019
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Interessante tema.
Efemérides tem mais a verd com datas que com anos. Seria mais lógico colocarem este texto na categoria Histórias de Portugal. Os comentários nas fotografias estragam mais do que valorizam.