Estas últimas semanas têm sido das mais emocionantes da minha vida televisiva. Sim porque temos pelo menos duas vidas; uma é a que vivemos e a outra é a que a Tv nos faz viver. As duas entrelaçadas fazem então de nós aquele boneco que chora e que ri, quando querem ou é preciso.
Aqueles dias e confesso, noites também, foram como se cego, atravessasse um abismo para ajudar as 12 crianças na Tailândia e o seu treinador, encerrados vivos, como castigo de Lúcifer, numa caverna. Iam-se misturando aquelas cenas de pesadelo com os pontapés do Ronaldo e dos outros, e as caras dos vencedores e perdedores dramáticos do Mundial de Futebol, até aos espetáculos finais que pareciam sincronizados como numa terrifica fita policial.
E como uma costureira hábil, a vida desenhava na bainha da saia larga e provocadora, ao mesmo tempo em todas, digo todas as estações de tv, as conferências de imprensa, os diretos empolgantes, os comentários de especialistas às crises intestinas do Sporting Clube de Portugal e de cada um dos sportinguistas que sofria dos mesmos endémicos sintomas, exteriorizados pela diarreia mental que se manifestou desde a corrida em Alcochete.
Entretanto mais discretos morriam 2 cen-tenas no Japão por causa das inundações, no Mediterrâneo naufragavam juntavam-se aos milhares, umas dezenas sem destino nem razão, enquanto para gozo de uns quantos islâmicos rebentavam bombas levando diretamente para o céu mais uns seres mudos e desamparados.
E como se isto não bastasse a um cidadão de pleno direito, quando segundo o televisor, parecia que a politica lusa continuava com as fintas clássicas, os dribles, as cabeçadas, as faltas cirúrgicas, a que estamos habituados pelos nossos lideres, eis que estremecemos com o ruídos de centenas de motas dos Hells Angels de Portugal , sim os das caveiras com plumas de índio, que tantas vezes nos acordam no meio da es-trada com seus capacetes cerrados, blusões folclóricos, ar assustador mas sempre pitorescos parecendo figuras de desenhos ani-mados, fruto da imaginação criada pela impotência de cada um. Mas, desta vez era a sério; a polícia Judiciária detinha o ramo português do gang internacional ligado à exploração de sexo, droga e armas, como “uma estrutura criminosa, constituída por indivíduos extremamente perigosos, com vastos antecedentes criminais e larga experiência na área da criminalidade violenta e criminalizada”.
Desliguei a TV . Erguime do sofá que é de pele e que também ela hoje, estava estranhamente arrepiada apesar de me suster ali há quase meio século.
Foi então e só agora que assumi a responsabilidade de telespectador honoris causa e olhando-me reconheci que sou o resultado de uma vida irrefletida à procura da reflexão, emocionante e cada vez mais confusa.
Texto: Luís Pereira de Sousa. (Apresentador de Televisão; Locutor, Jornalista e Escritor). Escreve no blogue Pedeleke - http://pedeleke.blogspot.com/
Imagem: Google©
Texto publicado originalmente no XOK magazine.
Imagem alterada em 04/04/2019
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Amigo Luís, sempre a mesma escrita aprumada, ligeira, directa e objectiva que me ensinou a fazer. Nada se compara ao mestre.
Quem sabe escrever, sabe. Um senhor da comunicação. Venham mais...