Luís Mascarenhas Gaivão
Guerra & Paz, Editores
Para abrir o apetite: “A pré-Históra é a evolução do macaco até ao homem” ou ”D. Sebastião era o desejado por ter muitas namoradas e não querer nenhuma”.
Estas citações brilhantes são de estudantes do secundário, possivelmente um dos vossos filhos inteligentíssimo e hábil nas questões da wikipedia…
Esta obra, parafraseando a introdução do autor não é pretensiosa, é uma constatação. Não é ficção, é real. Não é chacota, é meditabunda. E … “o sistema, a desvalorização sociológica do ensino, a indisciplina, a incapacidade do professor em preencher tantas lacunas de tempo, de espaço e de cultura são os responsáveis por este parcial insucesso. E também por muitas incompreensões.”
São maio de 220 páginas divididas por mais de sete dezenas de temas históricos da gloriosa História de Portugal, que aparece muito maltratada. E nem ouse desconfiar do que ali vem publicado porque, também eu, como antigo formador, reuni dezenas de disparates de português e informática, e qualquer delas de bradar aos céus. Luís Gaivão até é poucochinho exigente, porque certamente disporá de material muito mais divertido e brutal sobre estes mesmos temas.
A leitura do livro é, importante e, porque devemos perceber não só o erróneo raciocínio mnemónico, como sobretudo os profundos e sustentados conhecimentos de pretoguês mesmo assim avacalhado, dos alunos…
Mas vejamos alguns disparates mais sobre a época «dos cristões, dos excravos, mesmo falando da pré-história que foi um tempo passado à milésimos de anos, onde viviam povos primitivos e onde existiam animais que não há hoje». Depois seguiu-se a época dos povos que estiveram na península ibérica. «entre os séculos VIII e III a.C., atraídos pelas riquezas da península Ibérica, vieram os Romanos e os Suecos, que utilizaram as seguintes vias de comunicação para chegarem aqui: estradas de pedra, cavalos e sinais de fumo. Traziam com eles milho, trigo, alfarrobeiras e amendoeiras e procuravam por cá espingardas e leite».
Novo salto no tempo e chegados à ocupação pelos árabes da península ibérica, novo agrupamento de pensamentos etéreos: «foram os inventores do petróleo, dos visigodos e dos Iberos» e Maomé foi o «director do islamismo e o primeiro Deus a pregar virado para Meca». (Refira-se que, se calhar, por esta mentalidade evoluída o Estado Islâmico, nunca agiu por cá…).
Aquando da fundação de Portugal, em1100 (ou por aí) surge um capítulo intitulado: Actividades económicas e relações económico-sociais na primeira monarquia, que revela coisas que nem eu próprio sabia: «América, Brasil, Musabique, Giné e outros países europeios, África e Angola, India e o Norte o interior eram os territórios e os países que mantinham uma intensa actividade económica».
Estamos, sensivelmente a meio da obra e, refere o autor, com instintos de pura malvadez os assassinatos de nomenclatura e cognominação da primeira Dinastia. Brilhante!
E, a brincar, a brincar chegamos à época dos descobrimentos (e com tanto dispara-te, honremos a tenacidade mental do autor, que durante anos aturou mais de 4000 frequentadores de escola, mantendo a sanidade mental, para escrever tão delicioso livro). Aí, encontramos uma nova versão da rota das especiarias. «As especiarias abalavam da Índia, faziam a trajectória habitual, passando por o Bojador em balão e vindo parar na casa da Índia».
E a caminho, do último terço, surge uma dúvida a alguns. Será que foram assim tantos os autores dos disparates ou, pelo contrário, esta escrevinhadura reproduzida pertence apenas a alguns e que o autor quis proteger a sua (deles) identidade, sob pena de per se editarem uma obra mais criativa ainda?
Enfim!... Chegados À Santa Inquisição ou Tribunal do Santo Ofício eis-nos perante nova avalanche de desatinos: «todos tinham que ter um ofício para ganharem para comer». Ou, ainda mais elaborado, «o tribunal da inquisição fazia cada um ter medo de si próprio e não poder falar, e se o fizesse, matava-se».
Caminhando rapidamente para o encerramento do livro vamos referir ainda as invasões francesas, um apontamento do Estado Novo e uma coisinha do 25 de Abril. ‘Bora!
«Os motivos que levaram Napoleão a realizar três tentativas de invadir Portugal foram porque a primeira não deu resultado, fizeram a segunda que não deu resultado e a terceira que também não deu resultado.»
28 de Maio de 1926 e o Estado Novo. «O golpe militar de 28 de Maio pôs fim à ditadura militar e instaurou uma república», ou ainda mais estouvada «a instabilidade governativa da Primeira República foi o próprio golpe de 28 de Maio.
O 25 de Abril de 1974 teve como um dos cérebros Otovelo Saraiva de Carvalho, os militares «disseram adeus à ditadura e olá à revolução» ou, ainda outra com o 25 de Abril, «já se podiam fazer deflamações do Estado e dizer bocas sem ir preso», enfim trouxe «liberdade e sossego».
O livro termina com um glossário ainda mais delirante, e nós, esta recensão com mais dois deslizes: «O rei tinha poder legislativo, militar e romântico». «[os astrolábios] funcionavam com o lábio e serviam para dizer para onde é que o vento asso-prava.».
Conclusão. É impressionante, mas ainda hoje, estes disparates de reproduzem e de uma forma ainda mais preocupante, pois as inúmeras alterações introduzidas à vontade do mandante, transforma o pouco de interesse e de objectivação da disciplina de História numa ‘seca’ sem nenhum motivo de interesse para os jovens, também eles desinteressados do estudo, da aprendizagem e da memorização, de tudo o que não depender da nomofobia deles.
Em 1988, houve várias edições (10, no mínimo) na então PEA - Publicações Europa-América onde tive o privilégio de trabalhar, através da Europam. Belos tempos! Excelente livro! Oportuna reedição! Divirta-se a lê-lo aos poucos. Um capítulo por dia.
Texto: Fernando de Sucena (Investigador de informação; Jornalista; Escritor e Formador).
Imagens: Guerra & Paz©
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