Nascida em 15 de Agosto de 1962, em Lisboa, Maria de Lurdes Mendes é um dos grandes nomes da música ligeira portuguesa, do folclore e do fado.
Começou no fado aos 12 anos e durante os primeiros 25 foi uma fadista. Tive a oportunidade de a ouvir numa das Galas da “Grande Noite do Fado” em meados dos anos 80, como artista convidada e, até arrepiava a semelhança de muitas entoações com a incomparável Amália Rodrigues.
Por vários anos continuei a acompanhar esta cantora, por disco, e em 1996, quando despertou para a canção ligeira, descobri uma outra faceta dela e minha. Qualquer português sente de forma única no mundo a mágoa escondida no fado, mas também a alegria colectiva de ouvir música ligeira. Estas duas acções remete-nos à alma do povo que realmente somos. E isto vem a propósito de ‘Tira a Mãozinha Daí’ da extinta Discossete, onde passei como repórter, como jornalista e crítico excelentes momentos profissionais e pessoais na companhia, amiúde, de grande parte dos actuais nomes da canção portuguesa.
Na altura algumas perguntas circunstanciais a Maria Lisboa tiveram respostas muito diferentes destas, o que me levou a perceber que o tempo, a idade e as experiências de vida, em especial as negativas, modelam-nos o carácter e a atitude. Já então, havia nela, um pesaroso ar de sofredora e de lutadora, que ainda hoje se mantém mas com mais alento que outrora. E é esta a grande mudança de Maria Lisboa ao longo dos anos. Aliás, é isso que ela própria narra, na primeira pessoa, ao longo da entrevista abaixo.
Assisti em 2011, algures na região Oeste a um espectáculo dela aquando do álbum ‘Vou Dar Uma Voltinha (da Espacial, editora que trabalha desde há anos e afincadamente a promover a música lusa, na sequência do que a Discossete fez, nos anos 80, e da qual herdou o catálogo) e notou-se uma mudança muito grande para melhor na voz da Maria Lisboa, onde a voz mais grave a tornou melhor intérprete, mais madura, solta e emotiva.
Com a idade, também se transformou numa mulher atractiva e desejável não só pelo visual como, sobretudo, pela força que transmite. E esta sim a grande mudança de Maria Lisboa…
Finalmente, em 2018, no Coliseu de Lisboa, a oportunidade de nos encontrarmos, de novo e de, conseguir perceber que ela é como o Vinho do Porto: quanto mais velho melhor. (Eu sou mais velho que ela…)
Eis a entrevista desejada e possível.
Produtores Reunidos - Dos três estilos que já cantaste ao longo dos anos (popular, fado e canção ligeira) qual o que mais gostaste? Porquê?
Maria Lisboa – Estou mais activa na canção ligeira, actualmente. Sinto-me bem a cantar essas baladas, mas nunca me vou esquecer das minhas raízes que são o fado.
Produtores Reunidos – O livro que escreveste (“Nas Mãos de Deus” de 2016) foi pensado antes dos problemas de saúde e familiares que se atravessaram na tua vida, ou foi pensado depois? O que pretendeste com essa escrita.
Maria Lisboa – Escrevi esse livro, após me terem acontecido vários problemas, entre eles a morte do meu filho e os diversos problemas que tive de saúde. Decidi escrevê-lo para poder, também ajudar muitas mulheres que ficaram sem os seus filhos, e para poderem conhecer um pouco mais sobre a minha vida, porque afinal não é assim tão fácil como muitas pessoas possam imaginar.
Produtores Reunidos - A tua garra em palco foi adquirida em que fase da tua vida? Lembro-me de ti há muitos anos e a atitude era muito diferente.
Maria Lisboa – Esta garra veio da minha fé, tenho uma fé inabalável. É no palco, onde eu me vingo e desabafo. É lá, onde me sai tudo da alma e é, sem dúvida, onde eu me sinto feliz. É verdade.
Ganhei outra força, mas é o palco que faz brotar em mim uma força que não sei explicar. Quer dizer, eu quase tenho a certeza que sei, mas foi após estas tragédias todas que me tornei uma pessoa completamente diferente no palco. E é talvez ali, onde eu largo todas as minhas tristezas e as minhas alegrias.
Produtores Reunidos – As mulheres têm mais ‘gana’ na forma de interpretarem os sentimentos através das canções do que os homens? Justifica.
Maria Lisboa – Não! Penso que não. Quer dizer, depende. Eu penso que, nós mulheres, somos mais sensíveis, talvez por isso cantamos com mais sentimento e talvez soframos mais. Os homens são um bocadinho mais frios.
Produtores Reunidos - Estás a atravessar uma fase muito religiosa. Isso deve-se ou deveu-se a quê? Tens realmente “Fé em Deus”?
Maria Lisboa – Tenho muita fé em Deus. Esta fase está a ser muito complicada para mim. Cada dia que passa, dá a sensação que o ‘buraco’ vai abrindo mais, a dor vai sendo maior. Porque, nos primeiros tempos, a gente pensa que as pessoas foram numa viagem, ou emigraram, mas depois cai a capa e na realidade sentimos que perdemos mesmo as pessoas.
Mas, a minha fé faz-me acreditar que o meu filho que não está comigo fisicamente, está de certeza, espiritualmente. E acredito que, um dia destes, vamo-nos encontrar. Tenho a certeza absoluta. E esta fé, eu nunca a vou perder. É inabalável a minha fé aconteça o que acontecer.
Produtores Reunidos – De todas as tuas canções mais populares, quais são as duas favoritas, e porquê?
Maria Lisboa – Todos nós temos aquelas canções favoritas. As minhas são com certeza “Tenho Fé em Deus” e “Que Deus te Guarde”. Mas eu tenho de ter um espectáculo muito animado e assim a seguir ao “Tenho fé em Deus”, estou a cantar folclore. Portanto é de um extremo ao outro.
Eu acho que é aí que talvez venha a minha grandeza. Ou seja, eu própria no palco digo; “vamos virar o disco ao contrário”, e pergunto, “por aqui os corações todos alegres”? Porque afinal de contas eu em palco sou uma mulher muito alegre. Há ali um momento no espectáculo que me abala um bocadinho, a mim e a todas as pessoas, mas depois há toda uma alegria e claro há canções muito engraçadas. Mas eu gostar, gostar, gosto muito das minhas baladas, para dizer a verdade.
É um espectáculo cheio de alegria, com muita garra e muita força. Quando chega a hora de fazer um balanço, eu acho que as pessoas vêm com os corações tão cheios de alegria. E aquelas a quem eu abraço? Tenho a certeza absoluta que elas vão mais aliviadas para casa e pensam as coisas de forma completamente diferente.
Produtores Reunidos – Quando iniciaste a carreira, ainda e sobretudo como fadista, esperavas alcançar a reputação e a projecção de agora. Pensavas mudar de estilo? Quem te incentivou a essa mudança?
Maria Lisboa – Bom, eu quando comecei a cantar era muito nova, e durante muitos anos o fado esteve muito parado. Ou seja, não era fácil fazer êxitos, gravar discos, etc. Portanto, quando eu deixei o fado, não estava a surgir ninguém novo a cantar; não havia ninguém e eu pensei que o fado terminara ali. Terminou por mim, pela Marina Mota, e por mais 2 ou 3. Porque era muito complicado. E, de repente, apareceu uma lufada de fadistas a cantar e a interpretar muito bem.
Mas eu nunca deixei o fado. Atenção, nos meus espectáculos e sempre que posso, eu canto fado, porque se aparecer um espectáculo só de fado, eu faço-o, não tenho problema nenhum. Naquela altura era muito complicado. Agora é tudo mais fácil. Com certeza se houvesse, no passado, as oportunidades que há hoje, eu não teria deixado o fado.
Quando surge uma oportunidade para cantar uma canção, claro que um artista gosta de experimentar outros géneros de música, e como eu gostei, gostei muito, comecei a cantar canção, mas claro que gosto muito de cantar o meu fado, porque são as minhas raízes.
Produtores Reunidos – Mágoas, tristezas e alegrias que te marcaram e te fizeram ser quem és?
Maria Lisboa – Foram tantas. Foram tantas que não têm mais fim. Mas deixo-vos aqui duas ou três: a minha infância foi muito dolorosa, em primeiro lugar. Depois, a minha juventude foi horrível, foi terrível, fui eu que me criei por conta própria. E por fim, a dor e a tragédia mas avassaladora, que nunca mais vai ter fim na minha vida e que me atormenta todos os dias, foi a morte do meu filho, sem dúvida.
Produtores Reunidos – Projectos para o futuro?
Maria Lisboa – Projectos para o futuro?… Os meus projectos? É assim!... Eu tenho muitas coisas para fazer na minha cabeça, mas agora eu penso assim: viver um dia de cada vez e fazer um projecto de cada vez. Não fazer grandes planos, porque de repente… Então vou realizando um projecto de cada vez.
Produtores Reunidos – Algo mais a acrescentar que te ocorra e que desejes dizer?
Maria Lisboa – Desejo a todas as pessoas que me têm vindo a acarinhar ao longo deste tempo todo, e a todos os meus fãs, a minha gratidão. Nós não vivemos sem fãs. Deixam-me centenas e centenas de mensagens nas minhas páginas. Agradeço do coração, às pessoas que estiveram comigo, principalmente aquelas que estiveram ao meu lado. A minha gratidão a todos.
A sinceridade posta no palco advém, conclui-se, do sofrimento duma vida inteira. Quanto maiores e numerosas são as privações mais sensibilidade se aplica na criatividade. No caso dos cantores ou cantoras, isto é cada vez mais uma certeza.
Longa vida Maria Lisboa quanto ao canto, e não quanto ao padecimento. Até um dia num qualquer recanto deste imenso Portugal (como escreveu Chico Buarque)…
Texto: Fernando de Sucena (Investigador de informação; Jornalista; Escritor e Formador). 2018©/Produtores Reunidos©
Imagens: Alexandra Teixeira© e Facebook©
Imagens alteradas e re-editadas em 04/04/2019
000058
Tem canções bonitas como todos os outros artistas e uma grande voz e é uma mulher lutadora e sofredora como quase todas nós.
Podiam ter explorado mais a faceta evolutiva da cantora, e não insistir tanto no pimba. Porquê começar com ela e não com alguém com mais qualidade musical, não vocal?