Muita gente tem escrito para a redacção do XOK e dos Produtores Reunidos a propósito da minha cada vez acalorada defesa dos ideais direitistas. Pois bem, para esses acéfalos, vou refazer as ideias, e dar a mão à palmatória. A propósito aprendi a contar e a escrever, com o amor de mãe e com as reguadas. Ah, pois!...
Nasci numa época em que tínhamos o carinho dos pais, ambos, e quando começou a haver um anormal número de órfãos de pais, na sequência da guerra do Ultramar, na defesa das nossas colónias. Penso que esse foi o único erro que Salazar cometeu, e mesmo assim, influenciado por vozes militares, numa época em que esses viviam para guerrear e manter a alma lusitana acesa, quais herdeiros da fúria de Viriato.
Desses primeiros anos lembro-me de ouvir música portuguesa com letras brilhantes, desafiantes, excitantes: “Anda, abraça-me ...beija-me/Encosta o teu peito ao meu/Esquece que vais na rua/Vem ser minha e eu serei teu” (Tony de Matos); ou ainda “Mas olha, meu amor, eu não me importa,/Antes que fosses dela eu já fui tua/Podes sempre bater à minha Porta/Mas não passes com ela à minha rua” (Fernanda Maria). Enganos, saber perdoar, esquecer o momento e viver a paixão. O casamento era para toda a vida, como devia ser e com um homem e uma mulher. Tudo bons conselhos que a Rádio Graça; a Rádio Voz de Lisboa; o Rádio Clube Português ou a Rádio Peninsular, que eram das estações mais ouvidas desses anos idos, arrastaram o imaginário de um puto nascido em 1961, descendente de filhos nascidos antes da 2ª Guerra Mundial e que sofreram a fome e a miséria mas ganharam o prémio de resiliência e ainda hoje, a maioria resiste ao frio, aos massacres dos descendentes, à violência doméstica e estatal, sempre com uma boa disposição estampada nas pregas dos rostos, que já viveram e sofreram 80 anos ou mais e estão mais resistentes que os novos, que com menos de metade da idade, estão mais velhos do que os que já o são.
Por isso, pelo respeito que os idosos merecem, que foram meus e vossos avós e pais dos nossos pais é que gosto do Estado Novo. Desde que uma pessoa não se arvorasse em herói parvo com vociferações terroristas e anti-governo a vida ia direitinha. Não consigo imaginar o sofrimento e a tristeza que os antepassados tiveram de enfrentar até chegarmos à geração de ouro. A MINHA. Tivemos, desde sempre, excursões, praia, amor familiar, mesada, algum dinheiro para comprar electrodomésticos, trabalho com fartura, rádio, cinema, telefone, automóveis, poucas regras mas muito bom-senso, namoricos sem ser de janela ou na porta de escada, livros, discos, e sobretudo, uma vida boa pela frente.
Olho para estes imberbes que me rodeiam que são nossos filhos (meus também) e não vejo a alegria em ser criança, jovem, adolescente, adulto, como nós a tivemos. Têm tudo e acabam por não ter nada. Apenas o dinheiro, ou melhor o crédito na conta.
Que é feito dos almoços anuais de amigos ao longo da vida e das festas nas quadras passadas em família? Que é feito da simplicidade da oferta de uma simples flor à mãe, mulher, filha? Que é feito da simples ida ao futebol com o pai aos domingos, comer uns couratos e beber um Fruto Real? Já nem me refiro ao Estádio do 3º anel onde em vez da lotação de 120 000, cabiam, por vezes 140 000. Era o maior da Europa e o terceiro maior do mundo.
Que é feito do prazer de irmos para o parque mais próximo de casa sozinhos jogar á bola, correr, conviver com os vizinhos mesmo pretos sem desconfianças? Apenas os ciganos nos metiam algum medo. Que é feito do respeito pelos professores e gosto pela aprendizagem? E que é feito da leitura atenta dos jornais e dos concursos engraçados que eram realizados, como o ‘Descubra as Diferenças’ do Diário Popular)? Sou do tempo em que escrever era uma arte. O Século; O Mundo Desportivo; A Crónica Feminina; O Diário de Lisboa; o Diário de Notícias, com o ritual do pessoal se levantar bem cedo e comprar o jornal para ir aos locais onde eram anunciadas as vagas de emprego. Rotina diária. Arranjei muitos empregos ou trabalhos com este método. Por falar disto… Que é feito da sinceridade e frontalidade das entrevistas de emprego? A Internet veio reduzir ainda mais a faladura e as relações interpessoais, contribuindo para o actual atrofio da oralidade desta geração Y.
Por tudo isto, volto a afirmar que gosto muito dos idos anos 60 e de tudo o que vivi até ao final dos anos 70. Depois tudo mudou, para pior, sobretudo, no que respeita ao respeito, educação e compreensão. Podem ser sinais dos tempos, mas como já atingi uma idade que me permite avaliar os últimos 60 anos, reafirmo fui mais feliz antigamente do que agora, e fiz os meus pais (e os de todos nós) mais felizes do que nós somos com os nossos filhos, que não valorizam o que nós valorizávamos: a vida e o amor parental.
Só mais uma coisa. Coisa Grande. Antigamente, também, havia assaltos, roubos, paneleiros (sim a verdadeira designação dos actuais cus de mealheiro), violadores, pedófilos, burlas no Estado, agressões entre claques dos clubes e por causa do bairrismo, violência doméstica, guerra, e pessoal a dizer mal de tudo como agora, problemas nas escolas e na justiça, só que a sociedade era mais interligada e humana, sofrendo com os problemas dos outros, e estes indivíduos tinham vergonha e recolhiam-se nas suas imaturidades existenciais, não envergonhando os outros.
Assim sendo, continuo a insistir, prefiro um ano vivido no antes do que cinco vividos agora. Não é por nada. Apenas porque podendo comparar, é muito pior agora. Palavra de facho.
Nota: A única coisa melhor, agora, é a existência dos teclados silenciosos dos computadores. As máquinas de escrever eram, na verdade muito ruidosas e lentas.
Texto: Fernando de Sucena (Investigador de informação; Jornalista; Escritor e Formador). 2018©/Produtores Reunidos©
Imagem: Google©
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